
Já aconteceu com você de uma pessoa te ligar.. e você não lembrar-se quem é.. mas sabe que a conhece e permite que a conversa role ?
Aconteceu comigo..
Aliás sempre acontece.. (isso quando deixo meu telefone ligado)
Quando comecei a prestar mais atenção nas pessoas isso começou a diminuir..
É que não gosto de conversar com personagens.. ou máscaras..
Quando quero algo assim vou ao teatro..
Mas a diferença é que no teatro você assiste e aprende alguma coisa..
Na vida real você pode ferir-se..
Lembro do diálogo mudo de Érico Veríssimo com seu espelho, na hora onírica em que ele passava pelo rosto o aparelho de barbear..
A idade lhe foge homem.. (?)
PS.: (mas nunca esqueço-me dos humildes e dos puros de coração)
Abaixo minha oração de cabeceira:
Texto:
Solo de Clarineta 1
Livro de memórias.
O meu amigo mais íntimo é o sujeito que vejo todas as manhãs
no espelho do quarto de banho, à hora onírica em que passo pelo rosto
o aparelho de barbear. Estabelecemos diálogos mudos, numa linguagem
misteriosa feita de imagens, ecos de vozes, alheias ou nossas, antigas
ou recentes, relâmpagos súbitos que iluminam faces e fatos remotos ou
próximos, nos corredores do passado - e às vezes, inexplicavelmente,
do futuro - enfim, uma conversa que, quando analisamos os sonhos da
noite, parece processar-se fora do tempo e do espaço. Surpreendo-me
quase sempre em perfeito acordo com o que o Outro diz ou pensa. Sinto,
no entanto, um pálido e acanhado desconforto por saber que existe no
mundo alguém que conhece tão bem os meus segredos e fraquezas, uns
olhos assim tão familiarizados com a minha nudez de corpo e espírito.
Talvez seja por isso que com certa freqüência entramos em conflito. Mas
a ridícula e bela verdade é que no fundo, bem feitas as contas, nós nos
queremos um grande bem. Estamos habituados um ao outro. Envelhecemos
juntos. A face do Outro é o meu calendário implacável. "Os cabelos te
fogem, homem" - murmuro-lhe às vezes - "Tuas carnes se tornas flácidas.
Vejo a escrita do tempo no pergaminho do teu rosto". - "E como imaginas
que estás?" - replica o meu reflexo. Acabamos consolando-nos mutuamente
com a idéia de que conservamos a mocidade de espírito. Mas até onde isso
é verdade? Encolhemos os ombros e passamos a outras considerações e
devaneios, enquanto o barbeador elétrico zumbe, e o incansável calígrafo
invisível continua no seu sutil trabalho de amanuense da Morte.
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