sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Mendigo

 

Ontem na chuva. Estava eu em um canto perto de uma varanda.

Ouvia vozes! Observava do meu esconderijo natural alguns grandes Homens de nossa cultura rindo e conversando sobre assuntos diversos.

Sobre a mesa notava-se,  uísque, vinho e uma tábua de frios. Em outras mesas apenas  água.

love_lost_by_genevi143

“Estendia minhas mãos para que pudesse assim, receber um pouco dos restos, ou fragmentos de pequenas letras”.

Tentava assim do eu anônimo canto, como uma esmola pedir para que daquelas palavras saciassem minha sede de conhecimento, minha fome de vida e me alimentassem de novas esperanças.

Observava na ladeira próxima, molhada e fria, e como um palco notava meu passado.

Notava naquela frieza do asfalto o que poderia contar de minha história, e quantas vezes chorei calado e com rosto seco e sem lágrimas, com uma dor invisível em meu estômago em não aceitar injustiças.

As experiências e o grande vazio na alma.

Mendigo_by_fotottiv

Em épocas diferentes de minha vida, tive a grande oportunidade do grande salto, para que me tornasse um homem idôneo e rico.

Em outras apenas deparei-me em plena avenida Paulista, meu escritório escuro, sem luz, sendo que naquela mesma tarde, neguei, rejeitei um negócio ilícito porque havia de pagar propinas para que pudesse fechá-lo, salvo minha competência no que amava em fazer.

Um mendigo da Paulista, um pobre rico homem, sem idoneidade.

Sem que “dos meus soubessem” quantas almas deveria eu comprar sem que pudessem de fato ver quem eu poderia me tornar e que de fato não tornei-me. Visto ser um mendigo ali.

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Tornei-me apenas uma sombra de personagens, sem títulos, algumas vezes apenas um pequeno rosto em fotografias que não eram para mim e sim para os titãs onde eu de papagaio de orelha ficava até sem perceber, e de forma espontânea.

Quedei meu espírito e notei meus trapos.

Notei meus pés descalços e comecei a remexer a água a minha frente, delas comecei a notar como em cores diversas, letras formando-se.

Sim, “eles me viram”. Jogaram para mim algumas pequenas letras para que eu brincasse de alguma coisa.

Uma sombra tentando manifestar-se.

“Daqueles restos de letras, uma letra a, uma letra b, um pedaço de frase ali, um pedaço de frase aqui, fui crescendo, fui criando assim uma nova ponte, uma nova oportunidade, e fui de mendigo, tornando-me algo um pouco melhor, posicionando-me e com firmeza sem arrepender-me do passado, do que abri mão e dos que me zombaram porque não sabiam de mim quem eu era ou tentei ser realmente, talvez um verdadeiro brasileiro”.

Se meu nome é Pedro o brasileiro, João o brasileiro, Nego Sereno o brasileiro, se sou apenas uma semente. Se sou apenas uma vertente de algo. Se sou sombra, se sou um nada. Se sou apenas um personagem número 2, ou apenas um conto, um cabano.

Posso mesmo sendo um bastardo, dizer que aprendi com eles, aqueles lá da varanda, a desenvolver minha sensibilidade, minhas melhores virtudes e compreender que a riqueza da vida é a consciência em ter passado por aqui, em ter amado, ouvido, sentido a música, sentido os livros que li, os lugares que passei e o respiro das pessoas que encontrei.

Que um dia eu passei por aqui, estive aqui e amei aqui.

Da varanda, da varanda, notaram minha presença e da varanda, daquele lugar, permitiram-me que tocasse e sentisse as poesias, os contos, as crônicas, os romances, tudo isso em uma sopa de letras, das mais belas, no que fiz-me luz.

Desse sentimento de quase vida, de quase morte, de um cansaço das coisas, fui seguindo em frente.

Tom Capella.

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