Naquela tarde de domingo, notei a luz amarela e o corredor escuro que dava acesso aos pequenos quartos.
Ao adentrar tais quartos notamos por sobre a cama pessoas idosas e doentes, quase sem movimento mas arrumadas e perfumadas para receber os visitantes de domingo.
Um cheiro que se misturava a urina com um perfume de terceira categoria, esse talvez uma lembrança deixada por algum visitante, mas que era para aquela idosa o que mais de precioso havia ali em relação à elevação de sua vaidade e estar assim preparada para os visitantes.
O sorriso, o abraço anônimo mas carente e imediatamente a frase de que estava ali, mas seu filho ou sua filha estava para vir buscá-la. O que após breve verificação notamos que foram deixados ali há anos atrás (deixados pra trás), sem qualquer registro de visita.
Imediatamente ao sentarmos ao seu lado, caso houvesse uma cadeira, começávamos a ouvir histórias de épocas passadas misturadas com lucidez, lembranças e fantasias.
É como se o tempo naquela tarde de domingo parasse. Como se ouvindo aquelas vozes, observando a tristeza que passava a arquitetura do lugar semi-abandonado e sem reformas, com as paredes pintadas há anos com cores já sem brilho.
Um pequeno guarda roupa no canto do quarto e outra cama por vezes vazia e retalhos por cima.
A luz de tão amarelada nos exigia o esforço do olhar, visto que pela janela mesmo com a tarde iluminada, não conseguíamos receber a luz em alguns quartos pois havia uma proteção contra insetos e já em estado de sujeira e fixada no batente de qualquer jeito.
Como se ali houvesse apenas a última fronteira onde o ser humano possa chegar. Onde a poesia acaba. A música dá seu último tom. O vibrato não alcança. A lágrima já não mais se faz presente de tão seca. O silêncio. A morte.O que faz você de seus idosos? De seus velhos camaradas? Daquelas que muitas vezes lhe deixaram a segurança financeira que possues hoje ou que perderam madrugadas para cuidar de você.
Ou que enquanto você não chegava não parava de ir até a janela para lhe esperar. Seu hipócrita que abandona seus velhos camaradas?
E que vivem abandonados e sabotados em lugares assim, que mesmo que em sua consciência amparados que o fosse pelo dinheiro, o cheiro forte de urina mas o descaso das visitas, lhe consomem de vez os últimos anos e dias na vida?
O que será de nós que abandonamos nossos idosos a própria sorte?
Para isso temos o tempo. Este que é incansável. Inatingível e que chega. Em seu silêncio mortal. Mas que nos permite a vida enquanto nos possa.
E assim, naquela tarde ao sair daquele lugar, ao entrar em meu carro, olhei no retrovisor e notei ainda alguns pequenos sorrisos na varanda, daqueles que ainda conseguem se arrastar ou andar por si mesmo, com seus pequenos gestos nos dizer:
- Voltem, voltem logo, vamos ficar esperando.
Tom Capella
Vos que nos esperam, sempre até vos voltaremos.

"Os que nunca vivem o momento presente são os que não
vivem nunca — e o que dizer de você?", escreve o poeta dinamarquês
Piet Hein, num de seus poemas. O pintor e escritor finlandês Henrik
Tikkanen expressa uma idéia semelhante na seguinte máxima, ou
aforismo, que nos dá o que pensar: "A vida começa quando
descobrimos que estamos vivos". ( O Livro das Religiões)